segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Refugiados em sua própria terra

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Este post é parte de uma blogagem coletiva, promovida pelo portal Blog Catalog - o tema é Unidos para reunir os refugiados. (Tem uma chamada aí do lado)

A proposta era de buscar informação sobre refugiados. O portal deu vários links para páginas em inglês de organismos que trabalham com refugiados pelo mundo.

Não li nada disso por falta de tempo. Certamente, se eu fosse um blogueiro sueco, suíço, finlandês ou canadense, certamente procuraria um organismo que trabalha com refugiados no Sudão ou na Somália, ou na Palestina, ou em outros países com problemas crônicos de refugiados.

Mas não vivo num país com altos índices de desenvolvimento humano e coesão social. Vivo num país de extremos, onde a riqueza e a tecnologia convivem com o atraso, a miséria e a ignorância. Num país em estado crônico de anomia social.

Um país onde abundam os refugiados em sua própria terra.

Desde nosso processo de colonização, nosso sistema econômico foi baseado no latifúndio dedicado à monocultura exportadora. Os senhores da terra mandam e desmandam, sobre agregados e escravos. O povo do meu país é feito de gente que não tem seu lugar.

Gente que não tem terra. Filhos de quem nunca teve terra. Gente que migrou de uma região para outra do país, procurando o coronel mais magnânimo, que permitisse o uso de uma pequena fatia de suas terra para culturas de subsistência. Gente que nunca se apegou a terra por que podia ser despejado do dia para a noite, mesmo que isso significasse perder as colheitas maduras.

Quem quiser saber um pouco do cotidiano deste trabalhador desgraçado leia o romance Seara vermelha de Jorge Amado.

O livro conta a saga de famílias que, cansadas de migrar de uma terra à outra, resolveram migrar para o mundo das novas oportunidades: sumpaulo. A metrópole industrial. Mas poderia ser também Rio de Janeiro. Ou Porto Alegre, ou Santos. Ou Belo Horizonte ou Curitiba (a partir da década de 1970). Ou (mais recentemente) Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza.

De refugiados em terras que nunca foram nem seriam suas, os brasileiros foram ser refugiados em cidades que não são nem nunca serão suas.

Sem o direito à moradia digna, acumulam-se em subúrbios fétidos onde grassa a violência. Onde diariamente matamos nossa juventude, sem esperança e sem futuro. Onde ninguém é dono de seu canto. Onde não existe rede de esgoto ou água tratada. Onde a energia elétrica é clandestina.

Ou em área de encosta ou em domínio de rio. Esperando para ver se sobrevive à próxima enchente ou ao próximo desabamento.

Em casas unidas umas às outras, onde os incêndios se alastram como se queimassem palha seca.

Onde o Estado não chega. Não há escola ou hospital. Não há oportunidade de cultura ou lazer.

Onde os filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras ficam com vizinhos ou irmãos mais velhos porque não há creches.

Onde quem consegue passar dos 18 anos já é velho.

Refugiados em sua própria terra. Habitantes de um país que não é nem nunca será seu. Um país onde os homens bons crescem pisando nos outros. Onde quem pode manda e quem tem juízo obedece. Onde a lei é para os fracos. O país do "sabe com quem está falando?" - como já bem estudou Roberto DaMatta.

Um país onde um operário nordestino pode até chegar a ser presidente. Mas só se for para deixar os tubarões da indústria paulista ou do mercado financeiro continuarem mandando. E recebendo o pagamento dos juros mais altos do planeta.

Um país onde as classes média e alta interditam qualquer debate político que inclua projeto de distribuição de riqueza. Ou distribuição de terra. Ou distribuição de conhecimento. Aqui não se pode falar em distribuição. Só em acumulação.

Em quem não acumula nada é porque é burro ou incompetente ou preguiçoso.

Mas sempre nos resta o consolo de que tem país pior do que o nosso. Aqui na vizinhança do continente. Ou na África ou na Ásia longínquos.

E continuamos sendo um país não de cidadãos, mas de refugiados em sua própria terra.

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