sexta-feira, 28 de março de 2008

A trilogia do sul de Silvio Back

Acabo de assistir à defesa da tese de doutorado da colega Rosane Kaminski sobre três filmes do diretor Silvio Back.

O trabalho foi muito elogiado pelos professores da banca, e prometo colocar o link aqui assim que estiver disponível a tese em versão digital.

Ressalto que os professores comentaram que trata-se de um trabalho fundamental sobre um cineasta injustamente omitido no canon do cinema brasileiro. O trabalho da Rosane resgata um pouco dessa obra através de cuidadosa pesquisa histórica.

Os filmes tratados na tese são Lance maior (1968), Guerra dos pelados (1970) e Aleluia Gretchen (1976). Dialogam com o Cinema Novo, mas tentam oferecer uma visão sulista, em contraposição à temática nordestina (Glauber) ou carioca (Nelson Pereira dos Santos). Por isso chamar ao conjunto dos três filmes de "trilogia do sul".

Fico com a pulga atrás da orelha para ver os filmes e ler a tese.

Mais Israel-Palestina

Este blog começa a receber visitas ilustres e provocar algum debate.

Me meti a escrever sobre um tema espinhoso e difícil, e recebi um justo puxão de orelha do meu chará do Contra-senso nos comentários do último post que fiz sobre este tema.

Corrijo-me aqui de alguns escorregões e discuto algumas colocações do comentarista:

Se pode ser exagero do Idelber falar em chacina, por outro lado, comparar o número de mortos em outros conflitos não alivia a barra de Israel. Nunca pretendi dizer, que Israel seja o culpado da situação de conflito. A confiar nas informações de Paul Johnson em sua História dos Judeus, ambos os lados contribuíram muito para o problema. Os árabes vizinhos nunca aceitaram o estado judeu, e, por conta disso, nunca incorporaram os refugiados palestinos deslocados pela migração de judeus europeus (askenazin) que vieram povoar o novo Estado. Por outro lado, dizer que os árabes pretendem a eliminação do Estado de Israel é parcialmente verdadeiro e parcialmente falacioso. Recusar o "Estado Judeu" significa reivindicar um Estado plural como o que existe no Líbano, com pluralidade de representação religiosa na partilha do poder político.

Quando disse que há sobrerrepresentação judaica na imprensa não pretendi mostrar qualquer ponta de anti-semitismo. Não citaria jamais "os protocolos" como afirma o meu chará, subestimando um pouco minha inteligência. Há sim um percentual maior de judeus na atividade jornalística, como em toda atividade intelectual (cientistas, escritores, filósofos, etc) e no comércio. Não é devido a questões de aptidão étnica, mas de tradição de valorização da educação, do debate contraditório (não é à toa que meu amigo chama seu blog de contra-senso) até mesmo pelas inúmeras restriões a se fixar à terra e possuir bens que os judeus sempre enfrentaram na história.

Assim, sobrerrepresentação na imprensa não significa que todos os jornalistas judeus sejam ativamente pró-Israel. Acho que niguém critica mais os judeus do que os próprios judeus. Por outro lado, não há como negar que os judeus têm maior capacidade intelectual e organizativa para preservar sua memória. Inclusive através de uma fabulosa rede de proteção mútua internacional que vêm permitindo a sobrevivência deste povo há milênios. Só para lembrar, homossexuais, comunistas e eslavos (poloneses - 9 milhões de mortos, e russos - 20 milhões) foram vitimizados pelo nazismo até em maior número do que os judeus. Mas estes conseguiram preservar muito melhor a sua memória, de modo que o mundo nunca mais se esqueça.

Há ainda mais um componente que não pode ser esquecido, sobre o qual deixo para escrever em outros posts: o fundamentalismo evangélico e sua escatologia.

terça-feira, 25 de março de 2008

Missões e cultura local – os jesuítas no Brasil

Um dos maiores problemas de enviar um mensageiro religioso para pregar a outras culturas é que é bem difícil saber onde termina a pregação religiosa e começa o massacre cultural.

Além do massacre cultural, a evangelização/colonização de povos “pagãos” pelos cristãos europeus perpetrou também massacres físicos, com a guerra, a escravização, a morte por doenças contagiosas e, até mesmo, a simples chacina dos que se recusaram aderir à nova fé.

Mas, entre as muitas práticas condenáveis dos missionários, alguns fatores positivos chamam a atenção. Entre os indígenas da América, os missionários jesuítas muitas vezes se posicionaram como atenuadores dos horrores da colonização, preocupando-se em olhar para a cultura do outro e não apenas destruí-la.

Eles foram os pioneiros no estudo das línguas indígenas, desenvolvendo as chamadas “línguas gerais” nas colônias portuguesas. Para estas línguas escreveram gramáticas, catecismos e também músicas.

Pelo que indicam os documentos mais antigos, no início de sua atuação, os jesuítas utilizavam-se, além da língua dos índios, também de suas melodias. Uma das críticas do Bispo Sardinha era que os meninos órfãos cantavam “cantares de Nossa Senhora ao tom gentílico” (Car.PeSar.1, 1552, p. 358); em resposta, Nóbrega afirmou que uma forma de atrair os índios era “cantar cantigas de Nosso Senhor em sua língua e pelo seu tom” (Car.MaNob.6, [1552], p. 407). Não foram encontradas referências posteriores ao uso de melodias indígenas ou de cantigas “pelo seu tom”. Exatamente como ocorreu com o uso dos instrumentos dos índios, essa prática provavelmente foi logo abandonada. (Holler, 2006, p. 157)

Car.PeSar.1, 1552.
Carta do Bispo D. Pedro Fernandes Sardinha ao Padre Simão Rodrigues. [Bahia, julho de 1552].

Car.MaNob.6, 1552.
Carta do Padre Manoel da Nóbrega ao Padre Simão Rodrigues. [Bahia, fins de agosto de 1552].

domingo, 23 de março de 2008

O conflito Israel-Palestina

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(atualização: se você chegou aqui pelo google, este é meu post mais antigo sobre o assunto. O mais atual é este: Propostas de solução para o conflito Israel-Palestina: carta aberta de Uri Avnery a Barak Obama)


O conflito Israel-Palestina é uma das grandes questões do mundo contemporâneo. É polêmica pura. Envolve paixões. Tem origens históricas profundas. Por tudo isso, não é uma questão simples.

Neste início de 2008 a violência teve nova escalada na região, com vários ataques militares israelenses. A última vez que vi publicada uma contagem de mortos palestinos o número já estava em mais de duzentos. Civis. Velhos, mulheres e crianças.

Em decorrência disso, dois grandes blogueiros se engalfinharam numa disputa particular em torno da questão Israel-Palestina. O Pedro Dória escrevendo do ponto de vista judeu e o Idelber Avelar escrevendo do ponto de vista Palestino.

Pedro Dória é um jornalista muito experiente, especialmente dedicado a questões internacionais, tema a respeito do qual seu blog é sempre uma das grandes fontes de informação na internet. Idelber Avelar é professor doutor de literatura latino-americana em universidade nos EUA. É no mínimo um intelectual de altíssimo nível, certamente não apenas conhecedor de literatura, mas também de música, de política e de história.

O Pedro Doria escreveu um post no qual mostra que os dois lados estão errados na questão – uma posição equilibrada que é, a meu ver, a chave para a solução do conflito. Violência se paga com violência – assim grupos de libertação da Palestina e o exército israelense estão num círculo vicioso do qual não existe saída.

O Idelber Avelar se ofendeu e escreveu um post desancando o amigo. Culpa dos dois lados? Nada disso. Israel é que tem o poder e oprime os palestinos (é verdade mesmo), que só reagem. O post do Idelber tem fotos, e faz uma coisa que a imprensa não costuma fazer: mostra o sofrimento dos palestinos, sua humanidade.

Em tempos pós atentado às torres gêmeas de Nova Iorque as únicas imagens que vemos de muçulmanos é a de monstros-assassinos-terroristas-saguinários. Mentira. Propagada por uma imprensa norte-americana muito poderosa e intimamente ligada aos interesses da geo-política do país e de seus governos. Lembremo-nos que existe também um número desproporcionalmente alto de judeus na atividade jornalística em todo o Ocidente, bem como uma incrível parcela de capital de judeus no controle dos grandes grupos de comunicação. O próprio Pedro Dória afirma-se simpático à causa judaica também por origem de família. Por causa disso, acho que o Idelber faz um papel importante no debate: defende o lado mais fraco, sempre sub-representado em todos os debates sobre a questão.

Principalmente depois que os EUA venceram a Guerra Fria, e deixou de existir um forte movimento comunista internacional que sempre se postava a favor dos árabes, se não por outro motivo, pelo menos para ser contra os interesses norte-americanos.

Acontece que o Idelber é amigo do Pedro Doria, e esqueceu de avisar que ia colocar um post tão forte. Isso ofendeu o jornalista, que escreveu um post jogando a toalha. Mais ou menos o que ele diz é que não vale a pena se desgastar num debate tão violento e que sempre deixa profundas marcas. Afinal, é impossível discutir a questão sem receber os respingos do esgoto anti-semita que ainda anda tão forte por este mundo afora.

O Idelber se comoveu com a dor do amigo e tentou contemporizar num outro post. Inclusive foi alertado por leitores que tinha entendido errado algumas coisas que o Doria escreveu. É o típico caso em que o intelecto se turva pelas emoções e as palavras viram símbolos de uma luta intestina.

Passado algum tempo, o Idelber volta à questão. Para sorte dos leitores interessados, os melindres não paralisaram o debate, que é muito necessário. Ainda mais quando envolve dois conhecedores como os nossos blogueiros. Agora ele propôs um livro como leitura para o debate, convidando os leitores do blog a entrarem na dança. O Doria topou. Mas propôs mais livros, onde a questão não fosse vista apenas pelo lado pró Palestina.

Rafael Galvão complementou a questão, ajudando a entender por que não é absurdo comparar a atual política israelense com a dos nazistas.

Aqui do blog, vou acompanhar a questão. Não poderei ler os livros propostos por falta de tempo agora. Mas vou escrever mais sobre o tema, especialmente tentando trazer subsídios históricos que ajudem a elucidar o conflito mais intrincado do século XX, já se desdobrando pelo século XXI adentro...

sexta-feira, 21 de março de 2008

Piaf

Quinta-feira fui à locadora escolher um filme para o feriado. Pela primeira vez na vida escolhi um que estava no cartaz de divulgação (normalmente nem alugo lançamento, pois é mais caro, e tem tanto filmão em catálogo).

Trata-se da biografia de um dos grandes nomes da música francesa, a cantora Edith Piaf. História de vida com todos os ingredientes para dar um bom filme: infância trágica, pais problemáticos, criada num bordel da Bretanha enquanto o pai estava na guerra. A mãe não tinha as faculdades mentais em ordem para criar a filha. Adolescência passada na boemia, cantando na rua para conseguir sustento.

Ali descoberta pelo dono de um café-concerto, depois “adotada” por um professor de canto e em passos rápidos para a fama. Carreira norte-americana. Bebida farta. Um reumatismo que a faz parecer octogenária aos 40 anos. A morte trágica aos 48, após passar mal no palco em vários shows.

Eu não tinha idéia de quem fosse esta grande personagem. O nome me dava a vaga noção de ser uma cantora francesa de renome. A história de vida a faz semelhante a tantas outras damas do jazz ou da música popular, como Billie Holiday, nascida no mesmo dia.

O filme é muito bem produzido. Cenários caprichados, bons atores. É claro, ótima música. A crítica talvez exagere um pouco nos elogios.

O que me chama a atenção, sobretudo, é a corda bamba em que se passa a vida de gente como Piaf. Tragédia pessoal aliada a um talento incomum. Um ser à margem do socialmente aceitável, mas ao mesmo tempo admirada e muito rica. O brilhantismo artístico na beira do precipício da loucura. Será que os mais talentosos são também os que têm mais dificuldade de se amoldar a certas convenções sociais?