sábado, 6 de outubro de 2007

Peri Mesquida analisa projeto educacional dos metodistas

Mesquida, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Bernardo do Campo: EDUFJF/Editeo, 1994.

Importante contribuição ao estudo do protestantismo no Brasil. Mais ainda: o autor faz relevantes contribuições ao entendimento da própria história da educação no Brasil e arrisca até mesmo novas interpretações sobre a história política. Segundo ele, o protestantismo teve mais facilidade de se implantar nas regiões mais progressistas do país, nas novas regiões cafeeiras onde os senhores de terras eram também consorciados na construção de estradas de ferro e indústrias e que se tornariam a dissidência republicana dentro da elite econômica do sudeste. Conforme demonstra o autor, o setor mais dinâmico da economia nacional, notadamente nas regiões próximas às cidades de Campinas (SP) e Juiz de Fora (MG) estava nas mãos de uma elite favorável aos processos de modernização do país e, por isso, eram simpáticos ao protestantismo.
O livro analisa como o protestantismo construiu esta identidade modernizadora, pela qual foi aceito na sociedade brasileira. O autor concetra-se na igreja metodista, que se tornou a maior denominação cristã nos EUA e a que mais investiu em educação no Brasil. Há inclusive uma síntese histórica do surgimento do metodismo na inglaterra e sua implantação nos EUA, com uma surpreendente revelação para mim: John Wesley era maçom, assim como George Withefield (estranho que os avivalistas de hoje demonizem a maçonaria - pena que não saibam que os pais do avivalismo eram maçons).
A parte original da pesquisa do autor é a história das instituições de ensino metodistas no Brasil, escolhidas como a principal estratégia de implantação desta denominação no país. A tese do autor é a de que a preocupação com a implantação da hegemonia norte-americana no Brasil foi mais importante do que o crescimento da própria denominação metodista, o que a fez perder a posição de maior igreja protestante no país para presbiterianos e batistas. Vale a pena conferir a argumentação e a documentação apresentadas.
Os capítulos de síntese bibliográfica também são muito bem escritos (sobre implantação do protestantismo no Brasil, sobre metodismo na Inglaterra e nos EUA e até mesmo sobre o movimento republicano no país) aumentando o interesse da obra. Leitura indispensável para entender a história do protestantismo no país, e muito útil também para interessados em história da educãção. Tem na biblioteca da Faculdade Teológica Batista do Paraná.

José Carlos Barbosa analisa relação dos protestantes com escravidão

Barbosa, José Carlos. Negro não entra na igreja, espia da banda de fora. Protestantismo e escravidão no Brasil Império. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002.

O autor faz necessário e corajoso trabalho, como se pode ver pela introdução do livro (que postei aí embaixo). Vai aos documentos produzidos pelos protestantes ao chegaren no Brasil no século XIX e descobre qual sua atitude em relação à escravidão e quais as motivações para isso. O livro faz uma síntese histórica da chegada dos protestantes no país e das estratégias usadas para implementar a nova religião entre a população brasileira.
Faz uma opção metodológica por trabalhar apenas com o chamado "protestantismo de missão", aquele implantado principalmente por norte-americanos e voltado para a conversão de brasileiros. Deixou de fora assim o chamado "protestantismo de imigração", anglicano, luterano e reformado, voltado para comunidades isoladas de imigrantes ingleses, alemães ou suíços. A justificativa é metodológica, também pelas dificuldades com a extensão da documentação a ser consultada, mas principalmente pelo fato de que os imigrantes protestantes isolaram-se em suas comunidades e não procuraram influenciar o país ao qual estavam chegando. Não tentaram converter niguém, nem implantar sua religião de forma efetiva no país. Desejavam apenas viver em paz com sua consciência religiosa em suas comunidades normalmente fechadas.
Mas há uma idéia subjacente ao autor, de cobrar mais daqueles que se postulam como os portadores do verdadeiro evangelho. Aqueles que proclamavam vir implantar a verdadeira igreja de Cristo, e que consideravam que católicos e imigrantes protestantes europeus não eram verdadeiros cristãos, por não serem adeptos à visão pietista do evangelho, baseada na conversão pessoal.
O livro demistifica esta mesma idéia, ao demonstrar que os missionários estavam apenas preocupados com a implantação de suas instituições, e passaram longe de viver na prático o evangelho. Se não interessava desagradar os senhores de escravos para não atrapalhar a implantação do protestantismo, mesmo os missionários yankees (portanto abolicionistas) deixavam de lado a questão do escravo. Mas o grosso dos missionários e das igrejas protestantes implantadas no século XIX no Brasil vieram dos confederados do Sul dos EUA. Derrotados na Guerra da Secessão (1861-65) eles vieram buscar um país onde pudessem continuar o que eram: grandes proprietários de terras e senhores de escravos, com o beneplácito das igrejas oriundas da sua região.
Assim, o autor demonstra como foram encontradas várias justificativas teológicas para a escravidão. Umas pelos protestantes do sul dos EUA, na sua disputa contra os abolicionstas do norte, que foram repetidas no Brasil. Outras desenvolvidas conforme a realidade local, colocando a estratégia de implantação de igrejas acima do questionamento de estruturas injustas. Qualquer semelhança com o que fazemos hoje como evangélicos não é mera coincidência.
Livro básico e indispensável para entender o protestantismo no Brasil. Apenas sinto falta de um diálogo com a bibliografia especializada em política do Brasil Império e no movimento abolicionista. O autor praticou um sectarismo acadêmico típico dos evangélicos. Preferiu consultar documentação antiga e bibliografia recente produzidas por autores protestantes, ignorando o que os "incrédulos" já escreveram sobre o tema.